Novembro 13, 2016

As Colecções

As Colecções

O acervo do Museu é integralmente de proveniência local abrangendo duas categorias fundamentais: Etnografia e Arqueologia, num período cronológico abrangente, desde a Pré-história aos nossos dias. O espólio arqueológico resultou  de prospecções e escavações realizadas no concelho desde a década 90 apoiadas pela Câmara Municipal de Resende e de algumas peças de coleccionadores particulares. O espólio etnográfico provem de sucessivas campanhas de prospecção e recolha efectuadas por todo o concelho. Propondo no âmbito etnográfico, uma abordagem à cultura material e ao quotidiano das populações do concelho nos trabalhos agrícolas, pastoris e domésticos e no âmbito arqueológico, o contacto com testemunhos da presença humana deixados no concelho e oriundos das várias estações arqueológicas de S. Cristóvão, Cárquere, Mogueira e Quinta das Trapas.

Núcleo Introdutório

Aborda a região natural e a História do concelho através de uma maqueta e textos explicativos e documentada nos  forais manuelinos.

Enquadramento Geomorfológico

 Morfologia

O concelho de Resende localiza-se na Serra de Montemuro, pertencendo por isso, ao Maciço Galaico-Duriense, uma área de relevo acidentado com elevações montanhosas que irradiam em várias direcções a partir do ponto mais alto. As freguesias distribuem-se por vales profundos resultantes da erosão progressiva de cursos de água e separados por ramificações da Serra de Montemuro. Outras serras e montes circundam o território: a Serra das Meadas, a leste, separa os concelhos de Resende e Lamego; a Serra da Mesquitela, descaída da Serra das Meadas, a norte da freguesia de Barrô, dá acesso às freguesias ribeirinhas de Resende; o Monte de S. Cristóvão, limita a norte o planalto de Montemuro, onde nascem diversas elevações que vão aplanando, até chegarem ao Douro; o Monte da Pena, divide as freguesias de Paus e Felgueiras e desce abruptamente por Resende; o Monte Carvoeiro, divide as freguesias de Felgueiras e Cárquere de Ovadas e S. Cipriano e subdivide-se, em diversas elevações nas freguesias de Cárquere, S. Romão, Anreade, Freigil e Miomães, originando novos vales e pequenos cursos de água. Morfologicamente, a região apresenta-se com  vertentes bastante declivosas, vales encaixados e estreitos e poucas superfícies planas.

 

Geologia

A região está implantada na extensa faixa de granitos da Beira,  insere-se por isso, num contexto de rochas de natureza granítica  onde excepcionalmente afloram outras formações geológicas tais como: corneanas, xistos luzentes e filões de quartzo ou de rocha básica.

No geral, todo concelho é de natureza granítica com elementos de  feldspato também conhecido por granito porfiróde ou dente de cavalo.  A freguesia de Barrô, constitui uma excepção, quanto à sua geologia, pois já há grandes manchas de xisto comuns por todo o Alto Douro. Na freguesia de S. Martinho de Mouros, o granito é macio, fácil de trabalhar e adornado de raios coloridos de castanho, muito utilizado em construções de casas. Noutros sítios, possui cor azulada ou escura, e é mais duro e difícil de trabalhar.

A composição mineralógica e textura do granito faz dele uma rocha facilmente alterável em condições ambientais propícias, de temperatura, humidade e escoamento difícil. Este facto, é  importante para compreender a evolução geomorfológica da região e o tipo de utilização e ocupação agrícolas ainda hoje observáveis.

Clima

O Clima deste espaço geográfico apresenta-se  diversificado, mudando conforme a altitude, a estação do ano e a posição dos locais. O clima mais semelhante ao do concelho de Resende é o do interior baixo do vale do Douro.

Os Verões são quentes e secos e os Invernos moderados de elevada precipitação, ocorrendo frequentemente nevoeiro de vale, geada e trovoadasNeve  nas zonas de maior altitude e  granizo ou saraiva  em todo concelho. O orvalho cai regularmente nos meses de Inverno e menos frequentemente nos restantes meses.

Hidrografia

A rede hidrográfica do concelho está disposta em função do principal curso de água que atravessa esta região: o Rio Douro.

Alguns afluentes do Rio Douro, banham esta região, como os três ribeiros: Bestança ou S. Martinho, nasce perto do Monte de S. Cristóvão, passa na freguesia de Paus e divide as freguesias de S. Martinho e S. João de Fontoura  desaguando no Rio Douro na região de Porto do Rei; Carcavelos também conhecido por Corvo ou Fornelos, nasce igualmente perto do Monte de S. Cristóvão, passa pela freguesia de Felgueiras e divide Resende de Cárquere e Anreade; o Cabrum, é o maior ribeiro do concelho, nasce na região da Gralheira, passa pela freguesia da Panchorra e desce à freguesia de Ovadas na direcção do rio Douro, passando ainda pelas freguesias de S. Cipriano e Freigil e desagua no Rio Douro na freguesia de Miomães. E ainda, dois pequenos cursos de água: Castanheiras e Ribeira de Sexta, completando assim a rede hidrográfica do concelho que é condicionada pelo fundo litológico em que está implantada e pelos acidentes tectónicos.

Cronologia da História de Resende

Os primeiros testemunhos de presença humana em terras de Resende encontram-se na necrópole e no recinto megalítico do Monte de S. Cristóvão (3 a 4 mil anos antes de Cristo).

Ao longo dos tempos, muitos povos passaram por cá e aqui permaneceram: Celtas, Lusitanos, Romanos, VIsigodos e Muçulmanos.

Dos Celtas e Lusitanos, ficou-nos, entre outros, o Castro Luso – Romano da Mogueira, em S. Martinho de Mouros.

Os Romanos tiveram em Cárquere uma importante circunscrição (civitas ou oppidum), e colonizaram toda esta terra de Resende (séc. II a.C. ao séc. V).

Dos povos germânicos (Suevos, Godos, Visigodosséc. VI-VIII) e dos muçulmanos (séc. VIII-XI), ficaram-nos a maior parte dos topónimos.

O Cristianismo cedo começou a cimentar a cultura e a marcar o património: Igrejas românicas de Cárquere, de S. Martinho (século XII) e de Barrô (séc. XIII).

Após a Reconquista Cristã, foram instituídos os concelhos medievais de S. Martinho de Mouros (em 1121) e de Caldas de Aregos (em 1183), e a Honra Senhorial de Resende (por volta de 1130) em benefício do Aio Egas Moniz.

O rei D. Manuel I deu novo foral a S. Martinho (1513), a Caldas de Aregos (1523), e, no lugar da antiga Honra, criou um novo concelho em Resende (1514).

Em 1855, uma reforma administrativa dos governos liberais extinguiu os antigos concelhos de Aregos e S. Martinho e anexou-os ao concelho de Resende.

Dos séculos XVII e XVIII data a construção de muitos solares,  palácios particulares e diversas igrejas do barroco.

Em 1928, o lugarejo de S. Gens, que substituíra Vinhós como sede do concelho em finais do século XIX, passou a chamar-se “VILA DE RESENDE”.

Origem Toponimica de Resende

A origem toponímica de Resende não gera unanimidade entre os diversos estudiosos que se debruçaram sobre a temática.

Autores como Leite de Vasconcelos, Carolina Michaelis e Albino de Matos admitem tratar-se de um genitivo possessivo de origem germânica “Redisindi, ou seja, uma “villa” de que se tornou senhor um antigo povoador, “Redisindus”, depois da conquista desta terra, pelos séculos VI/VII.

Esta “villa” fundiária, “Quintana de Reesendi”, uma das que integraram a “honore de Reesendi” (Inquirições Gerais de D. Afonso III, 1258), pertencente a D. Egas Moniz, teria origem, segundo Braamcamp Costa, nas antigas “villae” romanas.

Almeida Fernandes manifesta discordância em relação aos autores citados, pois, segundo o mesmo, em 1258 ainda se oscilava de “Roosendi” para “Reesendi”, tudo levando a preferir anteriormente “Rodosindi” ou “Rodosendi”, “villa” de “Rodosindus”. Desta forma, a evolução Roosendi>Reesendi deve-se a uma assimilação (oo – en>ee – en).

Já Pinho Leal, articulista da Grande Enciclopédia Portuguesa, considera que um povoador cristão da época da Reconquista, D. Rausendo Hermiges, bisneto do rei Ramiro II de Leão, teria reconquistado estas terras aos Muçulmanos e que, por volta do ano 1030, mandara construir o seu Paço a curta distância da vila actual, e, neste caso, terá deixado o seu nome ligado à terra.

Núcleo da religiosidade popular

A colecção de ex-votos ao  Sr. do Calvário e à Sr.ª da Lapa, representa a religiosidade popular. Uma homenagem gratulatória a Deus, à Virgem e Santos é o retábulo votivo, representativo de histórias contadas, em vivo colorido, da vida dos homens, episódios de desgraça e dor que terminavam sempre num final feliz.

Esta ilustração imagética já nas civilizações egípcia, grega, cartaginesa, romana…revestia as paredes dos templos sob a forma de quadros expressivos do tributo à omnipotência divina.

Ao longo das naves dos santuários, em torno das imagens e nas paredes conjuntas das igrejas, nas ermidas ou em capelas, este costume ancestral aparece frequentemente representado através de vários painéis que atestam e celebram admiráveis milagres, proclamando, assim, e perpetuando o reconhecimento do povo pelas graças obtidas. A tormenta que atemoriza embarcações, as ciladas de inimigos ou assassinos, as desgraças, e sobretudo o vasto quadro das doenças constituem, essencialmente, os motivos que levaram o devoto a invocar o poder divino para tudo subjugar, impedir, vencer ou curar.

Em todos, de frente e ao alto, a imagem invocada surge num luminoso nimbo de resplendores.

Ex-votos ao Senhor do Calvário

A doença era o maior flagelo que tocava os homens. Ignoradas febres, violentas dores, golfadas de sangue, prostração de corpo… e não havia chás, nem mezinheiros, nem bruxos da vizinhança, nem boticários ou cirurgiões que entendessem a raiz do mal. Ficava apenas a mãe aflita, a esposa ansiosa, o marido perdido, que se lembravam do santo advogado para a cura dos seus males. E os homens através dos seus santos encomendavam-se a Deus, prometendo-Lhe dons em troca da saúde. E Deus quase sempre os ouvia.

 

Ex-votos ao Senhor do Calvário e à Senhora da Lapa

No dia-a-dia os homens ficavam expostos a mil perigos. Lembravam-se então da omnipotência divina. E um Deus bondoso, através dos seus santos, efectuava mais um milagre. E nas paredes da capela vizinha lá ficava, pintada, a memória.

O núcleo  do traje

 

O núcleo do Traje, que integra a exposição permanente de Etnografia do Museu Municipal de Resende, é constituído por uma pequena mostra de trajes regionais representativos do século XIX, que procura dar a conhecer a especificidade dos trajes e em que os mesmos eram usados, preservando e promovendo assim a identidade cultural do Concelho de Resende.

Com esta pequena mostra pretende-se sublinhar os trajes de trabalho de cariz francamente popular, ligados à faina do campo (traje de camponesa, Malhador do milho, menino e menina pobre), e dos proprietários de herdades (lavrador e lavradeira abastados).

Representativos de uma cultura de feição rural são o capelo e a “croça” dos pastores, feitos de junco, e a capucha, de lã do gado lanígero, outrora criado nos pastos comunais. Estas constituem actividades artesanais a que as industriosas gentes ainda recorrem, para as quais encontram no fechamento da serra a necessidade suprema e a matéria-prima.

Núcleo da Agricultura

A agricultura reúne diversas alfaias agrícolas e o  transporte de tracção animal por excelência, o carro de bois.

A actividade agrícola do concelho encontra-se caracterizada nas alfaias agrícolas (representadas nos instrumentos: mobilização da terra, recolha e manuseio de fertilizantes naturais,  corte e manuseio de forragens, sementeira,  poda e enxertia, rega e monda, protecção e tratamento,  colheita de frutos e tubérculos, colheita de cereais,  debulha,  limpeza de cereais e manuseio de palhas e respectivos acessórios) e nos transportes ( de tracção animal) e instrumentos  de atrelagem, de condução e controle dos animais e respectivos acessórios. A agricultura reúne diversas alfaias agrícolas e o  transporte de tracção animal por excelência, o carro de bois. Desde tempos remotos que a economia do concelho resulta da combinação engenhosa entre a actividade agrícola e a pastoril, em estreita solidariedade, segundo a natureza dos terrenos, o relevo dos solos e as condições do clima.

Na zona serrana, esta economia rural de subsistência baseia-se na produção de cereais (trigo, milho e centeio), batata e feijão, embora o principal rendimento esteja ligado à criação de gado ovino, bovino e caprino.

Os animais sempre assumiram um significado vital, não só por fornecerem a carne para a dieta alimentar da população, como também pela imprescindibilidade da sua participação em todo o trabalho agrícola. Desde a preparação da terra para as sementeiras às colheitas, servem como força de tracção das alfaias agrícolas e os carros, de bois ou de vacas, principais meios de transporte utilizados no campo, além do estrume que produzem, essencial para a fertilização das terras.

As alfaias aratórias, porém, são hoje uma memória longínqua, bem como as eiras de pedra onde festivamente se malhava com o mangual o trigo e o milho, apenas mais presentes numa ou noutra aldeia serrana, onde a força motriz dos animais e do homem ainda não foi substituída pela do tractor agrícola e da debulhadora, vulgarmente designada de “malhadeira”.

Na zona mais baixa do concelho, o vinho é cultivado em ramadas, no fundo dos campos, e é verde. Na freguesia de Barrô, considerada o término da região Demarcada do Douro, sempre se produziu “vinho generoso” e “de benefício”. A vinha, de onde brotam tais licores, exige tarefas incessantes que se traduzem num pecúlio considerável para os agricultores: a poda, a enxertia, a cava, o adubar, o enxofrar, o enrolar dos pâmpanos, o despampanar, o sulfatar e as vindimas.

A oliveira é outra constante da paisagem, em bordadura das vinhas, constituindo outro rendimento dos lavradores, além das árvores de fruta, especialmente a cerejeira. Desde a década de oitenta do século passado que se destaca o peso da produção de cereja na economia local, bem como a sua importância no mercado frutícola nacional, já que o concelho se apresenta como um dos maiores produtores nacionais.

Embora todas estas actividades representem um complemento de outras, já que são cada vez menos os que vivem exclusivamente do trabalho agrícola, a economia do concelho ainda se encontra significativamente dependente deste sector, cujo decréscimo se tem constatado ao longo dos anos, em detrimento dos sectores secundário e terciário.

O núcleo do pão

O ciclo do Pão integra utensílios utilizados no cultivo de cereais e na sua transformação em alimento (foice, cesto, tulha dos cereais, engaço, mangual,  peneira, tanguedeira, masseira, pá de enfornar), bem como mostras de cereais: milho, trigo e centeio, respectivas farinhas e um moinho de rodízio alveiro.

A transformação dos cereais em alimento tão primordial na alimentação humana é um processo faseado: do cereal à farinha e da farinha ao pão.

Tudo começa com a colheita do milho em finais de Setembro. As espigas são então cortadas com uma foice, depositadas em cestos e carregadas em carros de bois rumo às eiras, onde ficam a secar.

Feita a desfolhada, a palha é armazenada, depois de seca, em medas para a alimentação dos animais, enquanto que as espigas se guardam no espigueiro, donde são retiradas para separar o grão de carolo. Esta tarefa implica o espalhar das espigas na eira para serem insistentemente batidas com os manguais até os grãos se soltarem dos carolos, puxados com o engaço de dentes de madeira.

O grão assim recolhido é passado no crivo, que o liberta de impurezas, ficando, deste modo, em condições de ser guardado em tulhas, donde é retirado em rasas para ser moído e transformado em farinha, no moinho.

Vazados os sacos de farinha milha na masseira, mistura-se-lhe um pouco de farinha centeia ou triga para obter uma melhor liga e apaladar mais o pão, e escalda-se com água temperada com sal. Distribuem-se por ela pedaços de fermento, guardados da cozedura anterior, e remexe-se a massa com uma pequena pá de madeira, para, depois de arrefecida, ser revolvida por mãos calejadas e possantes em todos os sentidos até ficar homogénea e maleável.

Finda esta penosa operação, acomoda-se a massa no tendal ao lado da masseira, depois de lhe traçar com o indicador da mão direita uma cruz em simultâneo com o proferir da oração: “São Vicente te acrescente, São João te faça pão e o Santíssimo Sacramento te deite a bênção. Que as cinco chagas de Cristo levedem o meu pão.”

O gretar da massa por toda a superfície é sinal de que está lêveda e pronta a ser enfornada.

Achatando com a mão uma porção de massa na pá de madeira, formam-se os bolos, depois polvilhados de farinha centeia e decorados com furos feitos pela falangeta do dedo indicador.

Retirados os bolos, segue-se o padejar das broas na tanguedeira, que logo a seguir se deitam na pá e se introduzem no forno, levemente achatadas e aconchegadas, recobertas de farinha centeia.

Noutros tempos, esta actividade ocorria de 15 em 15 dias ou de 3 em 3 semanas, e para que o pão não ganhasse bolor, partilhava-se com os vizinhos, que também procediam de igual forma

Núcleo do linho

O ciclo do linho, muito completo, desde a semente à confecção, integra todos os artefactos associados ao processo de transformação da planta em fibra.

A produção do linho foi sempre praticada nos vales e colinas desta região, devido às terras húmidas e férteis. Associado a esta pratica está um trabalho árduo, que exige a aplicação de diversos artefactos inerentes ao processo que envolve “as voltas do linho.” Assim, na nossa exposição podemos apreciar a linhaça, a planta do linho com baganha, o ripador, a planta do linho sem baganha, o maço, a espadela, o sedeiro, o sarinho, as estrigas, a dobadoura, o graminho, a urdideira, o urdidor, a palmatória, o caneleiro, a tabuada, as frixadas, os liços, o pente de cana a teia, o tear, a trama, a lançadeira e por fim a confecção. A produção do linho, no que se refere ao cultivo e subsequentes processos de transformação, constitui uma actividade manual arcaica, porém muito minuciosa e cuidada.

Tudo começa por semear a linhaça (semente do linho) na Primavera, entre Março e Abril, numa terra cuidadosamente tratada, primeiro com o arado, depois com a enxada e finalmente com a grade. Depois de semeado, o linho é regado com frequência e mondado até à colheita, normalmente em Junho.

Nesta altura, é necessário arrancar a planta, quase sempre pela raiz, com a haste amarelada e a baganha aberta.

Segue-se o ripar do linho, através do ripador ou ripanço, porque ainda traz a baganha junto ao caule. Dos dentes do ripador sai a linhaça que será guardada em sacos, depois de “joeirada”, para futuras plantações (também era usada para fins medicinais).

O processo seguinte compreende o enriar (ou enlagar) do linho, depois de apertado em molhos. Geralmente, os cursos de água, como o Ribeiro da Regada ou o Cabrum, faziam o “curtimento”. O linho permanece submerso durante quinze dias, a fim de separar as fibras lenhosas e ásperas do caule (tomentos) das fibras têxteis.

Daí sai para secar ao sol, disposto em molhos no campo ou numa eira durante quinze dias, aproximadamente.

Uma vez seco, espalha-se o linho na eira para se malhar (ou macerar), com malhos, e maçar (ou moer), com um maço de madeira.

Só então vai a espadelar, o momento mais festivo deste árduo trabalho. Muitas vezes ao luar, ao compasso de canções, são retiradas as impurezas do linho. Nesta fase, o linho é batido com uma espadela de madeira em cima de um cortiço ou de uma tábua (espadeladouro).

Depois, é preciso assedar o linho no sedeiro para que se separem as fibras: as mais longas e finas formam o linho, as mais curtas e grosseiras a estopa.

Numa fase posterior, as estrigas do linho são dobradas a meio e atadas nas pontas para, assim, irem à roca e ao fuso de fiar. Após a fiação, o linho é colocado em meadas com a ajuda do sarilho.

Preparadas as meadas, aguardam o barrelar (ou branquear), processo através do qual são embebidas em água dissolvida com cinza (obtida de madeira de casca de pinheiro, vide, oliveira). Cozem-se, depois, no lume em potes de ferro, juntamente com cinza, durante todo o dia, acrescentando-se água sempre que necessário, de forma a manter as meadas cobertas. No dia seguinte, retiram-se e, depois de arrefecidas, lavam-se. Seguidamente, dispõem-se num barreleiro (cesto alto de trama muito apertada) e cobrem-se com um pano. Entretanto, para que se mantenha o barreleiro quente durante vários dias, vai-se regando com água a ferver. As meadas são, então, novamente lavadas e dispostas para corar, repetindo-se a barrela e a cora, alternadamente.

Finalmente, coloca-se a corar e a secar em paus ou arames e, quando secas, enrolam-se sobre si e guardam-se até serem dobadas.

Nesta operação, doba-se o fio das meadas para novelos através da dobadoura. Está, assim, o fio pronto para fazer a urdidura da teia e o fio da trama, tarefas para as quais é preciosa a utilização do urdidor, da palmatória e da urdideira.

Urdida a teia em linho resistente, retira-se para o tear, no qual se dispõe longitudinalmente. Para que este processo seja bem sucedido, é necessário o graminho, de modo a que cada linhól (correspondente a 24 fios e, portanto, a 1 cm de tecido) encaixe em cada dente. Segue-se, então, o enrolar no tear e depois o empeirar, acto que implica a introdução dos linhóis nos liços (fios anteriormente executados na tabuada) e, posteriormente, no pente de cana, amarrando-se, por fim, a teia para tecer.

É então que, nos últimos meses do ano, concluídas “as voltas do linho”, tem lugar a confecção, no tear, de peças de carácter festivo, religioso e decorativo.

O núcleo da Olaria negra

O fabrico de artefactos cerâmicos das mais primitivas  formas, encontram-se representados na vasta colecção de barro negro, cujo oleiro foi “Mestre Joaquim”, o último oleiro do concelho.  Tinha uma pequena oficina em Fazamões onde dedicava os dias da sua vida sentado, com a roda entre os joelhos, repetindo gestos gastos e contínuos, modelando e decorando com o “saber dos anos” as suas “criações”.

O fabrico dos artefactos cerâmicos, que conservam as mais frustes formas, assentava em técnicas arcaizantes, que a passagem dos séculos não conseguiu apagar. O barro, matéria-prima indispensável a todo o processo, arrancado a golpes de enxada e picareta das encostas de Montemuro, era transportado no dorso de animais ou no tractor para a pequena oficina de Fazamões, onde ficava armazenado em “torrões”. Depositado no “pio“, era esmagado com o bater do “pico de picar”, crivado para libertar as impurezas e amassado com a junção de água, de forma a conseguir-se uma quantidade de matéria suficiente para dois dias de trabalho na roda. Transformado o barro até atingir a devida plasticidade para a moldagem, o processo seguinte passava pela “roda baixa“, uma variante das mais arcaicas rodas de oleiro.

Sentado com a roda entre os joelhos, Mestre Joaquim, o último dos oleiros, modelava e decorava as suas “criações”, de carácter utilitário (“talhas”, “panelas”, “caçoilas”, “cafeteiras ou chaleiras”, “assadores” e “alguidares”) e figurativo (miniaturas de “Cristos”, “santos”, “músicos” e “cavaleiros”). Elemento decorativo altamente valorizado pelo oleiro eram as “carriças”, estrias muito leves com que enfeitava e embelezava as peças.

Estes artefactos eram posteriormente depositados num recanto da habitação – o sequeiro -, onde permaneciam durante oito dias para eliminação da humidade, o que impedia que estalassem com o fogo. Após uma retracção do volume das peças durante a seca, preparava-se o processo seguinte: a cozedura na soenga.

A soenga, arcaico processo tecnológico de cozedura herdado das mais longínquas tradições neolíticas, consistia num fosso aberto no solo com cerca de 04 metros de diâmetro por 01 de profundidade, onde se “coziam” os artefactos.

Dispostas e sobrepostas neste espaço, as peças de barro eram envolvidas em “moinha” e lenha de pinheiro, à qual era ateado fogo. O barro amarelado, aquecendo lentamente, ía mudando de cor até ganhar manchas pretas, que caracterizavam e davam originalidade à olaria negra de Fazamões. No momento oportuno, Mestre Joaquim levantava as peças, tocando-as junto das asas. Se produzissem um “som metálico”, retirava-as do fogo. Aquelas que revelassem pequenos orifícios eram retocadas com pedaços de finíssimo barro, introduzido nas fendas através de um pequeno instrumento, o “scanabita”.

Procedia-se, então, à cozedura propriamente dita. Sobre o fundo quente da soenga, as peças eram cobertas por lenha e “brão”, ficando como respiradouro algumas fendas. Depois de ateado o fogo com caruma ou giesta seca, o interior da soenga transformava-se em fornalha. A cozedura terminava assim que o barro atingisse uma tonalidade branco-pálida.

Com uma enxada, o artesão cobria habilmente toda a soenga com terra negra, sem deixar qualquer abertura. Passadas cerca de três horas, eram descobertas as peças e aproveitado o calor para, se necessário, oleá-las ou impermeabilizá-las, processo efectuado através da permanente utilização diária.

O núcleo da cerâmica

Os recursos económicos sempre condicionaram o poder aquisitivo dos utensílios de cozinha que permitiam a preparação e confecção dos alimentos. Assim, a classe rural do nosso concelho de parcos recursos recorria, numa primeira fase, às singelas peças de louça preta. A cerâmica comum cedeu lugar a algumas peças de faiança cujo fabrico exigia uma técnica apurada e matérias-primas mais caras. A classe mais endinheirada, sempre utilizou para satisfação das suas necessidades uma panóplia mais dilatada de utensílios de cerâmica fina, de faiança ou porcelana e, muitas vezes, de ouro, prata ou estanho.

Manifestação cultural de uma sociedade, a cerâmica foi usada ininterruptamente em Portugal nos últimos cinco séculos.

Numa primeira fase, a produção de olaria negra supriu as necessidades básicas do mundo rural e pobre, sem meios para usufruir da cerâmica fina. Servia, efectivamente, diversos fins como ir ao lume, conservação, preparação e serviço de alimentos, iluminação, bem como cuidados de higiene corporal. Este parco espólio familiar usado no quotidiano foi complementado com algumas peças de faiança, assim que o desenvolvimento económico do mundo rural conferiu um maior poder aquisitivo a este sector da sociedade.

Já a designada cerâmica fina, faiança e porcelana, foi, desde os primórdios da sua produção, essencialmente dedicada ao serviço de mesa, verificando-se mesmo, no final do séc. XVII – XVIII, a existência de loiça apropriada para as diversas refeições do dia, adorno, cuidados de higiene corporal e botica das elites endinheiradas.

O núcleo do azeite

 

Representado nas colecções do museu estão alguns utensílios inerentes  ao ciclo do azeite. Este produto apresenta uma forte presença na alimentação, serve como fonte de iluminação e medicamento em diversas doenças do homem e dos animais e na unção dos sacramentos (dos catecúmenos, dos doentes e Crisma).

Constituído por alguns utensílios, esta colecção traduz e representa uma actividade que era normal encontrar-se na região fundamentalmente destinada ao auto-consumo.

O núcleo do vinho

 

Estações arqueológicas

Núcleo Megalítico de S. Cristóvão

Enquadramento Geográfico

O núcleo Megalítico de S. Cristóvão, situa-se  no planalto da Serra de Montemuro com altitudes superiores a 1000 metros, abrangendo as freguesias de Felgueiras e Feirão, concelho de Resende, distrito de Viseu.

Enquadramento Histórico e Arqueológico

O núcleo Megalítico de S. Cristóvão, tal como outros locais do país, insere-se no fenómeno cultural Megalítico, (representado fisicamente por monumentos construídos com pedras ou lajes de, normalmente, grandes dimensões)  que em termos europeus é de origem atlântica, terá começado no Neolítico médio com a fixação aos solos dos primeiros agricultores e desaparece progressivamente a partir da 1 ª metade da Idade do Bronze, durando cerca de 3 milénios (IV a.C. a finais do III  a.C. / inícios do II  a.C.)

A forma mais simples de um monumento Megalítico será a de um menir, “pedra longa fincada verticalmente no solo”. Os cromeleques e alinhamentos, “monumentos compostos de menires expostos em circulo ou em fila, são locais propícios a observações astrais articuladas com práticas religiosas”. (Jorge, Vítor Oliveira, 1982)

O núcleo megalítico de S. Cristóvão conta com dois exemplos do que terão sido dois monumentos megalíticos relacionados com a observação dos astros. O recinto megalítico I, o melhor documentado, implantado no amplo anfiteatro natural, segundo Eduardo Jorge,  arqueólogo responsável pela equipa de escavação é constituído por cerca de 40 monólitos de granito e define um espaço aproximadamente oval, “com a particularidade de existir uma série de pedras erectas no seu interior”, envoltos por estruturas de contrafortagem, apresentando características que permitiram considerá-lo como 1 cromeleque, com possíveis conotações no domínio da arqueoastronomia (Pré/Proto histórico). O recinto megalítico II, teve uma intervenção arqueológica que permitiu detectar  menires, dos quais alguns se destacam pelo seu bom estado de conservação.

De cariz funerário, “as antas ou dólmens são monumentos constituídos por uma câmara ladeada por lajes verticais e coberta por uma outra laje, normalmente de grande dimensão designada por: tampa, mesa ou chapéu”.

O dólmen e mamoa 1 de S. Cristóvão constituído por quatro esteios graníticos, um pilar  e uma mamoa, faz parte do núcleo Megalítico de S. Cristóvão constituído por nove mamoas. Os dólmens eram recobertos por um “montículo de terra e pedras ou só pedras, que envolvia o túmulo megalítico destacando-se na paisagem e apresentando a configuração de uma calote esférica,” advindo do povo a designação de “Mamoa”. A estrutura e forma  das mamoas diferem com o tipo de sepulturas que cobriam, podendo assumir diferentes formas: circular, oval, ovóide, elíptico, rectangular, trapezoidal,  em “x”, etc. (Jorge, Vítor Oliveira, 1982)

Estação Arqueológica de Cárquere

Enquadramento Geográfico

A freguesia de Cárquere, situa-se no concelho de Resende e distrito de Viseu. Os vestígios arqueológicos de Cárquere distribuem-se pela área de implantação do Mosteiro e zonas limítrofes da freguesia.

Enquadramento Histórico e Arqueológico

Cárquere terá sido território da província Lusitânia, cujo limite norte era precisamente o rio Douro, quando em meados do séc. II a.C., depois de longas e duras conquistas, passou a  ser dominada pelos exércitos romanos, “A Durio, lusitania incipit. Turduli veteres, Paesuri, flumen, vagia, oppidum talabriga, oppidum et flumen Aeminim, oppida conimbriga, collipo, Eburobrittium.” ) (PLINIO, IV, 21)

Esta região terá sido habitada  pelos Paesuri, um povo que aparece mencionado na inscrição CIL II 760, encontrada na ponte de Alcântara, que nos identifica onze civitates romanas no centro e norte de Portugal. (ALARCÃO,1988: p.18 e 24).

Considerando que os Paesuri habitaram Cárquere, existem grandes probabilidades desta ter sido uma civitas (unidade político-administrativa romana), que tal como as outras civitas, deveria ter uma capital e outros aglomerados urbanos e rurais secundários, dependentes dela.

Desde os finais do século XIX têm sido inúmeras as referências ao aparecimento de grande número de materiais arqueológicos, reforçado pelo  projecto de estudo sobre a ocupação romana de Sta. Maria de Cárquere, denominado ESTACA (estação arqueológica de Cárquere) que se desenvolveu em 1998 e que permitiu a descoberta de ocupações arqueológicas que variam, cronologicamente, dos finais do século I a V ( início da Era Cristã, com maior relevo para a ocupação romana.) e se prolongam aos séculos XV e XVIII ( Época Moderna).

Do conjunto de materiais, destacaram-se as lápides funerárias epigrafadas de granito, secções de fustes de colunas, bases e capitéis em granito, fragmentos de mós manuais, cerâmicas comuns, cerâmicas finas, numismas, e outros vestígios superficiais sem quaisquer contextos.

 

 

Estação arqueológica da  Mogueira

Enquadramento Geográfico

A estação arqueológica da Mogueira situa-se numa colina escarpada, sobranceira ao Douro, na freguesia de São Martinho de Mouros, concelho de Resende, distrito de Viseu.

Enquadramento Histórico e Arqueológico

A estação arqueológica da Mogueira terá começado por ser um típico povoado castrejo, semelhante a muitos outros existentes no Norte e Centro de Portugal, característico da Idade do Ferro, com eventual início de ocupação ainda nos finais da Idade do Bronze (Segunda metade do I.º Milénio a.C.).

Advém-lhe importância acrescida pela presença de fortes indícios da existência de um santuário rupestre dessa época, ao qual pertencerão algumas das estruturas visíveis e negativos de construções nos afloramentos graníticos, para além das inscrições rupestres sobejamente referenciadas na bibliografia arqueológica.

O povoado aí existente nos inícios da nossa era foi claramente romanizado, o que se atesta pela presença de materiais e estruturas de época romana. Resta averiguar (o que só será possível com uma intervenção arqueológica rigorosa) se a ocupação romana se cingiu à utilização de sítio como povoado, ou se já então se assistiu à construção de um novo recinto fortificado.

Está ainda atestada uma extensa ocupação e transformação do local nos séculos XI / XII, no quadro da chamada “Reconquista Cristã”, com a construção do Castelo de São Martinho, que ganhou lugar de relevo na historiografia que se debruça sobre essa época pela referência histórica à sua conquista por Fernando, o Magno, em 1057, no quadro das ofensivas levadas a cabo por este monarca, as quais passaram pela integração plena do vale do Douro nos territórios conquistados e que culminaram com o avanço da linha de fronteira muçulmano – cristã até ao vale do Mondego, cerca de 7 anos depois (conquista de Coimbra, 1064).

A fortaleza medieval aqui construída passou a constituir o “castelo cabeça-de-terra”      ( do que são aprova a esmagadora maioria das estruturas visíveis, incluindo muralha românica, negativos da torre de menagem, caminho de ronda, cerca, cisterna, fosso e muitas das estruturas visíveis à superfície). de uma nova circunscrição administrativa, a terra de São Martinho, a qual, juntamente com a terra de Aregos, viria a estar na génese da formação do núcleo central daquilo que hoje constitui o concelho de Resende.

Estação Arqueológica da Quinta das Trapas

Enquadramento Geográfico

Os vestígios arqueológicos da Quinta das Trapas situam-se num terreno da Quinta das Trapas, junto do lugar de Minhães,  na freguesia de Resende

Enquadramento Histórico e Arqueológico

A Estação Arqueológica da Quinta das Trapas, terá sido segundo Lino Tavares Dias, uma “Necrópole tardo-romana e moçarabe.”

Em 1991, aquando do desaterro para a construção de uma casa na Quinta das Trapas, encontrou-se alguns túmulos e ossos de um esqueleto humano. Depois de se ter realizado escavações, pensa-se estar perante uma “sepultura do período tardo-romano” (por volta do séc. V); outra do “pré-românico “(moçárabe – séc. VIII a X); uma outra talvez “tardo-romana”, pois a sua datação precisa, verificou-se um pouco difícil, devido ao seu estado de destruição, esta sepultura integrava uma capa de mármore azul que terá sido destruída pela escavadora.

Destas escavações, recolheu-se  material de enchimento (tégulas, ímbrex romano) e alguns muretes.

Devido à existência de poucas estações arqueológicas do período medieval pré-românico, que documentam esse período ainda pouco conhecido. Lino Tavares Dias, considerou esta estação arqueológica como « uma das raras necrópoles dessa época  devendo por isso ficar “in situ”.


 

Lápides funerárias

Compreende um conjunto de estelas funerárias, da época romana, datadas do séc. I e II, epigrafadas, e com motivos esculturais e vegetalista.

“Ritual de morte, ritual de vida, Indígenas e colonos itálicos lavraram perenemente na pedra o sinal duma coexistência exemplar” (Encarnação, 1989).

Até finais do séc. III, a incineração era o rito normal de enterramento na Lusitânia, cujo limite norte era precisamente o rio Douro: “A Durio, lusitania incipit…  ” (Plinio IV).

As cinzas eram metidas em caixas de pedra, onde se lavrava frequentemente uma inscrição, ou eram colocadas numa cova, assinalando-se o local com uma lápide. Só no séc. IV terá surgido o rito da inumação (acto de enterrar os mortos).

Cárquere, possui cerca de uma centena de pedras tumulares, distribuídas por vários Museus Nacionais, (nomeadamente Museu Nacional de Arqueologia e Museu de Lamego) e  outros Museus, tais como: Museu da Sociedade Martins Sarmento,  Museu de Etnologia e História do Porto e o Museu Municipal de Resende. Outras estelas, integram colecções particulares.  Existem algumas dúvidas quanto à índole destas sepulturas, se de incineração ou inumação. Leite de Vasconcelos dá noticia, pelos dados que colheu, de uma sepultura de incineração (Vasconcelos, 1913) e o mesmo refere Vergílio Correia que visitou o local aquando da abertura da estrada e da avenida e no momento em que tais trabalhos puseram a descoberto duas lápides funerárias. Sob estas os restos cremados de dois corpos e nas imediações era ainda visível o local próprio destinado à cremação: ustrinum (Correia, 1972).

Estas estelas são epigrafadas, muitas ornadas com motivos esculturais, algumas têm esculturas muito toscas, talvez referidas às pessoas dos defuntos e outras têm motivos vegetalistas. Os ornatos mais frequentes são ramos de palma (muitas vezes terminados em tridente) e apenas tridentes. O significado da palmeira prende-se com a crença na imortalidade das almas e o tridente é alusão possível a Neptuno e crença da passagem das almas pelas águas dos rios  ou dos mares, onde Neptuno era senhor e Caronte o barqueiro mitológico. Leite de Vasconcelos chamou-lhes uma “especialidade regional” (Vasconcelos, 1913). Inês Vaz partilha da mesma opinião, pois refere-se a “estela tipo Cárquere” regionalizando. (Vaz, 1996)

No âmbito cronológico, as lápides funerárias de Cárquere reportam-se maioritariamente ao séc. II,  devido ao predomínio de estelas com dedicatória aos deuses Manes e pelas características paleográficas.

As inscrições das sepulturas romanas iniciavam-se frequentemente pela fórmula  D. M. S. ou D(is)  M(anibus) S(acrum) o que significava, consagrado aos Deus Manes. Manes eram divindades privadas ou domésticas que correspondiam aos antepassados da família do falecido, pois os romanos entendiam que, com a morte, os falecidos da família começavam a fazer parte da esfera divina: dos Deuses Manes. Seguia-se o nome, a filiação e a idade do defunto e,  frequentemente o nome da pessoa que mandou erigir o monumento. Por fim, a inscrição terminava quase sempre com   S. T. T. L. (S)it (T)ibi (T)erra ( L)evis), que se traduz em : a terra te seja leve. Algumas inscrições terminavam D. R. Q. T. S. T. T. L. (D) ic  (R)ogo (Q)ui (T)ransis: (S)it (T)ibi (T)erra (L)evis, que quer dizer, Peço-te, a ti que passas, que digas: a terra te seja leve.

Ara votiva

Ara é um monumento votivo constituído por capitel (trabalhado e com fóculo), fuste e base,  cuja inscrição vem no fuste. Habitualmente seguem um esquema constituído por nome da divindade acompanhado de S(acrum), consagrado; identificação do dedicante; o motivo da dedicatória (ex voto, ex iussu, pro salutem); fórmula final consacratória: A(nimo) L(ibens)V(otum) S(olvit); A(nimo) L(libens) P(osuit);  V(otum) S(olvit) L(ibens) M(érito) ou equivalente. (Encarnação, 1997)

Este monumento consiste numa construção de pequena dimensão que na Antiguidade, encontrava-se possivelmente no local do espaço sagrado, ao ar livre, onde seriam depositadas as oferendas. Dedicadas normal­mente a Júpiter ou a deuses menores,  a partir do século de Augusto passam também a ser dedicadas aos Imperadores romanos. Esta Ara, conforme se pode ler nas inscrições, foi dedicada a I.O.M., ou seja, Iovi Optimo Maximo-Jupiter, Deus Supremo. Podem ver-se nas inscrições as iniciais V e P – V(otum) P(osuit), dedicou o voto; possivelmente as iniciais e parte do nome de quem dedicou o voto e mandou erigir esta ara. A base da ara está partida, podendo por isso, a  inscrição não estar completa. Há quem veja na parte que lhe falta, a possibilidade de estar a identificação do conjunto de soldados que dedicaram o voto. O facto desta inscrição ter a palavra CASTELLA, tem levantado a hipótese a alguns historiadores, de se tratar  de um documento importante para confirmar que Cárquere teria sido uma “civitas”, ou seja, a capital de uma grande circunscrição romana e esta ara ter sido dedicada a Júpiter por “CASTELLA”.

Em Portugal estão apenas clas­sificadas setenta aras dedicadas directamente a Júpiter. Resende, conta com duas.

Devido à quantidade de testemunhos epigráficos dedicados a Júpiter (Deus Supremo), presume-se que este seria o culto mais popular dos Romanos e que a sua difusão, se deve aos exércitos romanos.

Segundo Jorge Alarcão, nas províncias ocidentais do Império Romano e nas zonas militarizadas a Norte do Douro, são muito frequentes as aras dedicadas a Júpiter Óptimo Máximo e quando as inscrições, não indicam o motivo da dedicação,  trata-se de uma manifestação de fidelidade a Roma, através da invocação do seu Deus maior, apelando para que  continue a proteger o imperador e o império.

Marcos ou inscrições da Universidade de Coimbra

Em 1759,  o Marquês de Pombal expulsa de Portugal os Jesuítas e por doação régia do rei D. José, a Universidade de Coimbra tomou posse em 1775 de todos os bens e direitos do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere ( rendas, propriedades, cartório, etc ). Com receio de perder direitos ou de ser prejudicada nos seus bens, colocou a sua marca em todos os bens e direitos herdados.  Nessa marca estava escrito a primeira letra e as duas últimas da palavra Universidade, apesar de não se verificar uniformidade quanto à disposição gráfica.

Estes marcos encontram-se dispersos pelos montes da redondeza, ou apenas a marca da universidade lavrada nas fragas da montanha, em muros, arcos e padieiras e em algumas casas.

O Mosteiro tinha propriedades em alguns concelhos: Aregos, S. Martinho de Mouros, Resende, Paiva, Cinfães, Sanfins, Ferreiros, Penafiel, Barcelos, Baião e Mesão Frio; nas Comarcas de Lamego, Guarda, Pinhel e Viseu e em diversas freguesias, tais como: S. Miguel de Oliveira, Caria, Santa Cruz de Lumiares, Godim, S. Tiago de piães, S. João de Cinfães, Santa Maria de Freigil, S. Salvador de Resende, S. João de Felgueiras, S. Miguel de Anreade, S. Pedro de Gosende, S. Romão de Aregos, S. Paio de Ovadas, S. João de Miomães, Santa Cristina de Ramiles, S. Pedro de Paus, S. Lourenço da Panchorra, Moimenta e Queimadela.

O Mosteiro tinha ainda direito a metade de todas as pesqueiras no concelho de Resende, bem como à água do Rego do boi, que sai do ribeiro Taquinho e tem origem na Lagoa de D. João. Nos limites da Lagoa, existe um marco que a Universidade ali mandou pôr, no sítio onde começa o barroco do Cabouco, para talvez marcar o direito que tinha à água.

Sistemas de Moagem

Dos sistemas primitivos de moagem: Pedra de mó, almofariz, atafona, azenha, rodízio, maré, vento, água… todos estão associados à palavra moinho e, por sua vez, a diferentes tipologias de moinhos e ainda ligados a formas de energia não poluente – humana, hidráulica e eólica…. Procurando a origem  no tempo destes sistemas de moagem encontramos: os almofarizes e mós ou moinhos de vaivém nas culturas do Neolítico e Calcolítico, as mós rotativas romanas na Era Cristã, as atafonas no período  medieval e os moinhos de vento e de água, as azenhas, os de rodízio ou os de maré na actualidade, mas cada dia mais raros de encontrar em função ou mesmo completos.

Os  que aparecem com mais frequência no concelho de Resende são: o moinho de rebolo ou de vaivém, as mós manuais rotativas, azenhas e moinhos de rodízio.

As mós ou moinhos de vaivém devem ter sido muito utilizados pelos nossos antepassados proto-históricos, devido à grande frequência com que aparecem nos Castros, por vezes misturados com mós redondas. Este sistema de moagem terá sido utilizado pelos nossos antepassados lusitanos para transformar as bolotas em farinha. Consistia num bloco fixo inferior, o dormente, chato e côncavo, e numa pedra móvel, convexa, que moía e esmagava os grãos com um movimento oscilatório e semi-rotativo conbinado. Muitas vezes a  pedra movente era deslocada para trás e para a frente e por vezes inclinada para um dos lados. A pessoa que moía ajoelhava-se do lado mais alto da pedra exercendo mais força sobre a pedra movente e colocava um recipiente para juntar a farinha. Actualmente, este processo de farinação ainda pode ser observado junto de povos primitivos actuais, de acordo com os seus hábitos culturais.

A Segundo Jorge Dias a mó ou moinho manual terá sido divulgado na Península Ibérica em grande escala, a partir da sua conquista e colonização, pelos exércitos romanos. Nelson Borges reforça a ideia de divulgação romana deste sistema de moagem, pois “os soldados romanos em campanha moíam o cereal de que necessitavam para marchas curtas, pois para longas expedições tinham de levar consigo os utensilios de moagem.” O moinho rotativo aparece evolutivamente da aplicação do movimento de rotação à pedra móvel que consequentemente passou a ser de formato circular. São constituídos por: duas pedras cilindriformes sobrepostas: o pé e o pouso (que permanece imóvel) e sobre o qual gira a andadeira, movida manualmente através de um punho ou tirante, e vazada no centro, o olho, pelo qual é inserido o cereal com vista à sua trituração entre as faces inferior da andadeira e superior do pouso. Essas mós continuam em uso em agumas regiões do País, sobretudo no Algarve, utilizadas para preparar a farinha para as papas de milho.

Além das funções de artefacto técnico, de transformação do cereal em farinha, os sistemas de moagem desempenham outras funções que vão para além das de sobrevivência física e material mas de ordem mais simbólica e espiritual. O pensamento de Mircea Eliade, vai ao encontro da reutilização de elementos de mós, nomeadamente ao nível dos monumentos megalíticos.

É comum identificar-se materiais arqueológicos (votivos ou funcionais) com vestígios de reutilização, nomeadamente de moinhos (elementos de mós: dormentes e moventes), em sepulturas megalíticas que se encontram frequentemente tanto por entre os elementos líticos das mamoas, como servindo de calços de esteios, como junto aos depósitos funerários. Em Resende temos exemplos concretos de fragmentos de mós encontrados durante trabalhos de escavação arqueológica no núcleo megalítico de S. Cristóvão, podendo tratar-se de uma manifestação ritual, de ordem intencional e religiosa.

Prisão de Gado

 

Este objecto é possivelmente um prisão de gado, em granito, atribuível à idade do Bronze, séc. I a.C., oriundo da freguesia de Cárquere. Encontra-se no Museu Municipal de Resende com o n.º de Inv. ARQ. 0113.

Segundo Martins Sarmento, distinto arqueólogo e etnologista, os prisões de gado surgem na dependência de casas redondas incluídas em construções rectangulares e são “argolas de pedra embutidas na parede de casas onde se amarrava o que quer que seja, podendo muito bem esta parte do edifício ter servido para guarda de animais”.

Este pormenor de arquitectura castreja parece ter existido na Serra de Montemuro, pois é descrito por Rocha Peixoto em Etnografia Portuguesa como sendo observado na região de Alhões “uma pedra saliente, aparelhada e perfurada, cujo destino principal é prender os animais”. Ainda em Alhões na Serra de Montemuro, Rocha Peixoto refere que existem cavidades profundas, fruto da erosão e que se distribuem de forma irregular por um grande penedo arredondado a que uma casa encosta. As prisões de gado surgem da saliência que subsiste entre duas dessas depressões e onde foi praticado um orifício pelo qual passa a corda com que se prendem os animais. (Peixoto, Rocha, 1995).

Inscrições honorificas

Alguns dos elementos que uma inscrição honorifica pode conter prendem-se com a identificação do homenageado, menção dos cargos que ocupou, elogios à sua actuação, motivo da homenagem, identificação dos dedicantes e até por vezes explicitação de como tiveram fundos para a homenagem (por exemplo; aero collato, por subscrição pública). Pode ainda, no final vir expressa a vontade a intervenção directa das autoridaes municipais (DD- decreto decurionum, por decreto dos decuriões) ou a informação de que o homenageado, contente com a honra, que aceitou, pagou as despesas: honore contentus remisit (H.C.I.R.) (Encarnação,1997)

Inscrições monumentais

Referem circunstâncias da construção do monumento (templo, ponte, aqueduto. Circo…), data, personalidades a ela directamente ligadas, divindade a que porventura foi consagrado e outros elementos.

(Encarnação,1997)